Extinção dos contratos



Por Karin Cristina K. Pereira



Considerações iniciais



É característica dos direitos pessoais/obrigacionais a transitoriedade. Os contratos nascem com a formação do vínculo obrigacional – arts 427 ao 435, CCB -  e falecem com a extinção, por meio de uma das figuras atinentes a matéria (invalidades, rescisão, resilição e resolução). As obrigações não possuem duração ad eternum, sendo viabilizado ao contratante interessado na extinção do negócio jurídico, o direito de invocar os problemas que recaem sobre este, para dar fim ao vínculo contratual. Tal situação é diversa da que ocorre nos direitos reais, nos quais está presente a característica da perpetuidade, por se tratarem de direitos que se prolongam no tempo, agregando-se a coisa em si.

A matéria de extinção dos contratos é extremamente controversa na doutrina e jurisprudência, não havendo uma sistematização unificada da matéria, surgindo, não raro, confusões acerca da aplicação de uma outra terminologia jurídica para aquela forma específica de extinção de um contrato. Está regulamentada, na codificação civil, nos arts. 472 ao 480, sendo em tais dispositivos elencadas as figuras do distrato, da cláusula resolutiva, da exceção de contrato não cumprido e da teoria da imprevisão. Ou seja, na matéria de extinção contratual codificada não traz, exatamente todas as figuras que devem ser estudadas neste ponto (sendo que alguns, são objeto de regulamentação localizados juntamente com outras matérias, ao longo do CCB, quais sejam: as invalidades (estudadas na parte geral do diploma jus civile), a rescisão, a resilição (da qual o distrato é uma das causas sendo a denúncia a outra – 473) e a resolução (da qual a teoria da imprevisão/onerosidade excessiva é uma das causas, sendo a outra o inadimplemento – arts 478 ao 480 e 394 ao 420, CCB).



1. Causa normal de extinção do contrato: Adimplemento



A forma normal de término de um contrato ocorre pelo correto cumprimento das obrigações, o adimplemento. As regras da matéria são estudadas na teoria geral das obrigações, e as direções trazidas pela temática do pagamento (entendido de forma ampla, como o cumprimento de toda e qualquer obrigação, seja de entregar dinheiro, um bem móvel ou realizar um serviço – arts 304 ao 388), devem ser rigorosamente observadas sob pena de não ser cumprida a obrigação da forma devida, deslocando a discussão para o terreno do adimplemento defeituoso, ou inadimplemento relativo. Neste caso, aparece a figura da mora, e por consequência, os efeitos do inadimplemento (perdas e danos, cláusula penal, juros). Assim, sendo observadas as regras mínimas acerca do adimplemento, o contrato finda de forma natural, sendo este o objetivo perseguido pelo direito obrigacional, o do correto cumprimento, satisfazendo-se a pretensão creditória pela conduta de adimplemento debitório.



2. Causas anômalas de extinção das obrigações



Quando a contratação inicia com algum defeito, seja este pré-existente à contratação propriamente dita, seja simultâneo à formação do vínculo, o negócio jurídico adoece, entra em crise, resta comprometido em termos de validade e/ou exigibilidade e acaba sendo extinto antes do tempo (morte prematura do contrato). O mal que atinge o contrato pode surgir também depois de sua formação, nas chamadas causas supervenientes ou incidentais à formação do vínculo. Igualmente neste caso, o contrato deve findar. São os institutos que analisaremos a partir deste momento: as invalidades, a rescisão, a resilição e a resolução.



2.1) Causas anômalas concomitantes à formação do vínculo: a teoria das invalidades



Existem causas que surgem no exato momento da constituição do vínculo jurídico (contratual) entre credor e devedor e que minam o negócio jurídico. São as causas de nulidades ou anulabilidades, presentes na teoria das invalidades.

Quando se está diante de uma causa de nulidade, a ação utilizada para obtenção desse efeito é a ação declaratória de nulidade, visto que basta a declaração do julgador, que pode ser realizada inclusive de ofício, com efeitos ex tunc. O contrato é nulo quando celebrado por simulação (art 167), quando inexistente algum dos requisitos do art 104 c/c 166: agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei, e quando o vínculo se construir  na estrutura defeituosa das cláusulas abusivas, estabelecidas no rol do art 51 do CDC. Ressalte-se que essas são as causas genéricas de invalidação do negócio jurídico, existindo outras específicas que serão estudadas em relação a cada tipo contratual, na parte especial do CCB.

Como causas de anulabilidade encontram-se os vícios do consentimento, sendo utilizada a ação anulatória para desconstituir o ato. Aqui inserem-se as figuras dos defeitos do negócio jurídico: o erro, dolo, coação, e fraude contra credores. Tanto os casos de nulidade como os de anulabilidade ocorrem no momento em que o contrato está sendo firmado. Por exemplo: a ausência de idade mínima para contratar no momento de assinar o contrato ou aceitar a proposta, a ausência de escritura pública quando a lei exige (forma prescrita), a coação realizada perante o outro contratante que aceitou a proposta porque estava sendo ameaçado. Nestes casos o mal surge no momento da constituição do vínculo.

Ainda que as novas figuras do estado de perigo e lesão (arts 156 e 157) sejam elencadas como defeitos do negócio jurídico e causas de anulabilidade, juntamente com os institutos do, dolo, coação e fraude contra credores, opta-se por elencá-las como causas de rescisão, uma vez que caracterizam-se como situações preexistentes à formação do vínculo.



2.2) Causas anômalas anteriores à formação do vínculo: a rescisão contratual



Existem problemas que afetam a validade do contrato, que preexistem à formação do vínculo jurídico entre os contratantes, podendo ser classificados como causas anteriores, que acarretam a rescisão contratual que exatamente por este motivo, diferenciam-se das causas de nulidade ou anulabilidade. Tal é a posição de ARAKEN DE ASSIS, ao sinalizar para a noção de rescisão:



"(...) rescisão constitui modalidade de abertura do negócio jurídico em razão de defeito anterior à contratação, como deflui do chamado vício oculto ou de seu próprio objeto. É uma cirurgia jurídica, que rompe o negócio existente, válido e eficaz, para ir buscar no suporte fático a causa do mal, desconstituindo-o ."



Seguindo esse tom, elenca-se como causas de rescisão contratual as figuras do estado de perigo (art 156), a lesão (art 157), a evicção (arts. 447 a 457) e os vícios redibitórios (arts 441 a 446, CCB e arts 26 e 27, CDC). O estado de perigo e a lesão são causas anteriores à formação do vínculo porque viciam o contrato no momento em que a contratação é celebrada (ex: no estado de perigo a situação de necessidade de salvar-se é concomitante ao momento de se obrigar à prestação muito onerosa. Na lesão, a necessidade ou inexperiência também). Não discorreremos sobre tais figuras por já terem sido estudadas na parte principiológica, mais especificamente no princípio do equilíbrio econômico do contrato.

O terceiro adquirente de boa-fé (o comprador, em um contrato de compra e venda), recebe da lei, a proteção contra os vícios da evicção, ou seja, a garantia de que se houver a perda (administrativa ou judicial do bem), este terá direito de se voltar contra quem lhe vendeu buscando ressarcimento. Todavia, o instituto da evicção, tem aplicação quando o adquirente não tinha conhecimento do risco, tendo sido um risco criado pelo alienante/vendedor (art 449 e 450). Para o caso de risco assumido pelo comprador, adotando-se as regras dos contratos aleatórios (arts. 458 ao 461). Os exemplos típicos de aplicação da evicção são: a perda do bem por desapropriação ou devido a um processo de usucapião.

A rescisão do contrato por vícios redibitórios ocorre quando o bem apresenta defeitos que o tornem impróprio ao uso a que se destina, surgindo direitos para o adquirente. Cabem aqui as ações edilícias, para anular o contrato: ação redibitória (art 441) para rescindir o vínculo quando não mais interessar a contratação, devolvendo a coisa e sendo ressarcido o comprador ou ação estimatória ou quanti minoris (art 442) requerendo-se abatimento do valor, tendo continuidade o contrato com a revisão de seus termos (neste caso, o preço, ou seja, a revaloração da coisa). Ressalte-se que quando houver dolo do alienante, cabe ainda, indenização por perdas e danos (art 443). Os prazos para ingresso das ações redibitórias são:



-Código civil:

VÍCIOS APARENTES: ART 445, CAPUT: 30 dias se for coisa móvel e um ano se imóvel, contando da entrega do bem (se já estava na posse reduz o prazo pela metade, ou seja, 15 dias para móvel e 6 meses para imóvel. Ex: já estava na posse devido a um contrato de locação e resolveu comprar o bem. Presume-se que por já estar na posse conhecia o bem, portanto, a lei reduz o prazo).

Devido o estabelecimento de prazos exíguos, como é o caso do bem imóvel (1 ano é pouco tempo para descobrir que o bem tem o encanamento todo comprometido, por ex), parece que o legislador referiu-se aos vícios aparentes, ou seja, aqueles que podem ser constatados facilmente.

VÍCIOS OCULTOS: Para os não aparentes, ou seja, que só podem ser descobertos com o tempo aplica-se o parágrafo 1º do mesmo art: 180 dias para móveis e 1 ano para imóveis a contar do conhecimento do vício.

-CDC:

VÍCIOS APARENTES: O CDC fala em bens duráveis e não duráveis, para os vícios aparentes, estabelecendo o prazo de 30 dias para reclamar vícios de bens não duráveis (aqueles que desaparecem com o consumo. Ex: gêneros alimentícios, bebidas, cigarros) e 90 dias para bens duráveis (Ex: eletrodomésticos, entre outros).

VICIOS OCULTOS: Para os vícios ocultos, refere que inicia-se a contagem do prazo quando aparecer o defeito (art 26 par. 3º).



Duas são as espécies de responsabilização elencadas no CDC:



- Responsabilidade por vício do serviço ou do produto (aqui entra este conteúdos, dos vícios, aplicando os prazos supra-referidos), quando a discussão for unicamente de impropriedade do bem (dano material).



-Responsabilidade por fato do serviço ou do produto, quando envolver também discussão de dano moral ao consumidor (Ex: consumidor que ficou lesionado devido ao defeito do produto). Aqui aplica-se o prazo de 5 anos a contar do conhecimento do dano e sua autoria – art 27).

Mister ressaltar que o CDC veio a modernizar a teoria dos vícios do CCB, pela amplitude nas considerações, protegendo mais o consumidor, via de regra aderente no contrato. No CCB há uma conceituação restrita de vício, como sendo aquele problema que torna o bem impróprio ao uso a que deveria se destinar. No CDC foi adotada a teoria da qualidade, assim, o produto/serviço deve apresentar todos os dados qualitativos ou quantitativos referidos na oferta, sob pena de incidir a categoria dos vícios sobre a contratação. Neste sentido, dispõe a lei consumeirista:

”Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.”



2.3) Causas anômalas supervenientes à formação do vínculo: Resilição e Resolução



2.3.1) Resilição bilateral ou unilateral



Passamos então, a analisar as causas que surgem durante o desenrolar do vínculo contratual e que fazem com que este tenha que ser extinto antes do tempo previsto. Ou seja, no nascimento do vínculo, o negócio jurídico não apresenta problemas, vindo a surgir a causa de extinção no seu curso. A resilição bilateral ou DISTRATO é o livre acordo das partes (dos dois contratantes) de sair do contrato. Trata-se de situação na qual não interessa mais a nenhum dos lados a continuação da contratação, assim, faz-se um instrumento, idêntico ao contrato, porém com cláusulas opostas. Pode sempre ser exercitado o direito de distratar o que foi contratado, mesmo em contrato instantâneo e com prazo determinado, pois é a valoração da autonomia das partes, do acordo, em última análise. Porém, se houver exigência de forma para o contrato (Ex: contrato solene – art 108), o distrato tb terá que observar essa forma sob pena de nulidade – art 104, III).

A resilição unilateral é tb chamada DENÚNCIA, e está elencada no art 473, sendo uma regulamentação nova no CCB de 2002, sem correspondência legislativa com o CCB de 1916 (Este dispositivo regula a denúncia para qualquer tipo de contrato, ressaltando-se que na lei de locações o instituto aparece em inúmeros arts., sendo estes analisados na matéria de contratos em espécie, mais especificamente no contrato de locação). Significa que em contrato de duração (vide matéria de classificação dos contratos) e por prazo indeterminado (ex: contratos de telefonia, de fornecimento de energia, de locação...), é um direito do contratante sair do contrato quando não mais interessa-lo a continuidade da relação jurídica, apenas notificando a outra parte com 30 dias de antecedência – em regra, pq no contrato de prestação de serviços os prazos são bem menores – art. 599 par. único). Atente-se porém , o que estipula o art 473 par. único, (que dá ao julgador o poder de considerar situações que limitem o direito de resilir, sempre que um dos contratantes houver feito investimentos para que o contrato fosse firmado, devendo o outro, permanecer vinculado pelo “tempo suficiente” para o retorno dos investimentos realizados. Para essa determinação leva-se em conta o princípio da boa fé objetiva, que não permite que um aceite ou até mesmo imponha os investimentos feitos pelo outro e depois objetive sair do contrato antes de ocorrer o retorno desses investimentos, o que gera a inobservância do dever de cooperação).

Na resilição, em regra os efeitos são ex nunc, ou seja, não se pode voltar atrás para voltar ao status quo ante (ex: pedir restituição dos valores), valendo os efeitos da extinção a partir do momento em que esta se operar. A resilição decorre da vontade das partes e não necessita de interpelação judicial.

Aparecem ainda, outras terminologias que são equiparadas à resilição unilateral: a revogação (ex: por parte do mandante – quem outorga os poderes para que o outro aja em seu nome - no contrato de mandato e por parte do doador no contrato de doação) e a renúncia, a exemplo do mandatário (ex: advogado), no contrato de mandato.



2.3.2) A Resolução do contrato - Ação de resolução contratual



A resolução talvez seja das figuras mais referidas na jurisprudência e doutrina. Conforme já referido no início deste ensaio, a matéria traz um alto grau de imprecisão e inadequação das terminologias, não sendo raro encontrar referências a resilição quando seria caso de resolução. O ponto mais comum nesse tocante, é a aplicação dos termos rescisão para resolução e vice-versa, visto que haveria um entendimento de que o inadimplemento seria causa de rescisão ou resolução. Em que pese essas várias correntes, adotamos a bibliografia de ARAKEN DE ASSIS, para melhor sistematizar a matéria.

A resolução aplica-se no caso de inadimplemento (vide obrigações -, devendo ser entendido aqui no amplo conceito de mora trazido pelo ordenamento jurídico -não cumprimento da obrigação no tempo, lugar ou forma devidos – arts 394 ao 401, CCB) e no caso de onerosidade excessiva/teoria da imprevisão. Tais causas não serão aqui analisadas por terem sido objeto de análise anterior (teoria da imprevisão na parte do equilíbrio econômico do contrato).A resolução tem em regra efeitos ex tunc, pois há a possibilidade de fazer com que a situação retorne ao status quo ante (ex: devolução do bem e ressarcimento do valor, sem prejuízo da indenização por perdas e danos se comprovado o prejuízo), e não decorre da vontade das partes, mas das causas já referidas (inadimplemento e t. da imprevisão/onerosidade excessiva). Depende de interpelação judicial, ou seja, deve ser reconhecido o direito de resolver o contrato pelo judiciário (Exceção: quando houver cláusula resolutiva expressa – conferindo tal direito no contrato – art 474, CCB).



Autores recomendados:



AGUIAR, Ruy Rosado de. Extinção dos Contratos por Incumprimento do Devedor. Rio de Janeiro: Aide, 2004.



ASSIS, Araken de. Resolução do contrato por inadimplemento. São Paulo: RT, 2004.