O ambiente moderno e o surgimento da Bioética

Por Celso Rodrigues
O quadro acima é bem conhecido: Lição de Anatomia do Dr. Tulp, pintado por Rembrandt em 1632, A ousadia do tema cabia apenas na liberal e protestante Holanda; ainda era heresia a dissecação de corpos na Europa católica. Entretanto, a modernidade superaria o catolicismo e o século XVII foi o momento crucial dessa transição. Finalmente o homem começava a dominar a natureza e extrair seus segredos, nas palavras de Francis Bacon.
Nos séculos seguintes o avanço científico levaria o homem à superação sucessiva de fronteiras nesse processo não apenas dominou a natureza, mas passou a constituir uma nova natureza orientada para os mais diversos interesses políticos econômicos. Ao mesmo tempo, deu-se a consolidação da crença no progresso científico enquanto uma nova teologia. Encantamento e “desencantamento do mundo”, como diria Weber.
Nesses séculos modernos o homem se reinventava. O cientificismo do século XIX colaborava na construção da imensa máquina panóptica e suas múltiplas disciplinas. O novo homem forjado seria: saudável, produtivo, capacitado e disciplinado. As ciências jurídicas e sociais teriam um papel decisivo nessa tarefa.
Os românticos criticavam a supremacia de uma racionalidade capaz de inúmeros sacrifícios em nome do “progresso científico” sem considerar seus danos ou perigos. A crítica ao cientificismo já expressava-se na literatura de Mary Shelley, sua permanência na mitologia moderna é um indicador significativo da relevância dos temas que evoca.
Na modernidade recente o debate bioético esta posto, inescapável, incontornável. A ciência já reconstrói o homem a algum tempo e nessa ação rompe fronteiras e instaura crises sucessivas em torno de limites da ação humana. A questão é incômoda como é o desenvolvimento humano, quanto mais conhecimento maior nossa ignorância, dizia Morin
Observemos no cinema como esse movimento se delinea. Em Blade Ranner (1981) de Ridley Scott a questão se apresenta em termos sombrios, mas complexos. São criaturas, mas almejam ser criadores, neste caso de si mesmos, querem imitar seus criadores. Nos quatro filmes de Alien percebemos uma evolução mais didática. Da criatura que emerge das entranhas do homem no primeiro filme, evoluímos para o ser híbrido do último num final aberto de retorno à terra.
Estudiosos tem caracterizado nosso tempo a partir de um novo patamar assumido pelo risco social. De fato, diante das catástrofes ambientais e da falência do Estado do bem-estar-social, as estruturas políticas e econômicas que forneciam alguma garantia social estão substancialmente corroídas. Entretanto, retomando Morin, podemos pensar que nossa condição de incerteza absoluta em termos de futuro e da falência dos grandes blocos ideológicos recoloca o binômio liberdade-responsabilidade em novo patamar. Isso corresponde a repensar o pensamento, assumir a crise (de krinos, avaliarm julgar) e construir o presente
Nessa encruzilhada o debate bioético torna-se central. A ciência pode avançar indefinidamente sem conhecer limites como se a “razão científica” fosse neutra? É necessário reconstruir fundamentalismos de toda ordem contra a ciência? Espiritualidade e racionalide estão em campos opostos? Questões humanas, demasiado humanas?